sexta-feira, 7 de junho de 2013

A morte é uma piada sem graça.

A última vez que te vi lúcido, você pegou meu braço e cantou calmamente "let it be" algumas vezes. Sorriu e disse o quão bonita a tatuagem lhe parecia e disse que me amava. Te vi virar as costas e sair rua afora, jamais pareceria um adeus. Mas foi.

Foi?

Quando desliguei o telefone naquele 18 de dezembro, o mundo pareceu parar e, logo em seguida, desabar: meu paizinho estava morto.

Lembrei do seu sorriso de dentes amarelos e do seu bigode – meio grisalho, meio castanho – dançando conforme você falava. Lembrei de você trazendo as batatas fritas gordurosas e deliciosas até mim e roubando o controle remoto da minha mão.

As músicas que você gostava (especialmente I Started a Joke – Bee Gees!) começaram a ecoar pela minha cabeça e, de repente, a rua começava a desaparecer em meio às minhas lágrimas.

Escolher a última roupa que você vestiria foi difícil, pai. Lembrei de você saindo todo dia pra trabalhar, das suas meias finas e do seu “sapato chique”. Será que você gostou da minha escolha? Porque eu já não consigo mais lembrar qual foi.

Se ao menos eu tivesse te abraçado forte... Se tivesse dado tempo de te dizer adeus. Ai! Se ao menos essa vida não fosse tão imprevisível e tão malvada – até mesmo com quem é bom. Se ao menos eu pudesse ter certeza de que você não sofreu e que você me perdoou por ter tido tanta magoa. Ai, pai! Se ao menos nós não fossemos seres humanos cheios de erros, de defeitos, tão tortos... Se ao menos tantos “se’s” não existissem talvez tu ainda pudesse existir nesse mundo ruim.

Essa saudade me destrói em dias alternados. O coração fica apertado, os olhos marejados e só consigo ouvir músicas que me lembrem de você. Em dias assim, pai, sinto vontade de te escrever inúmeras cartas... Mas eu não tenho mais endereço para enviá-las. Em dias assim, pai, eu não consigo ser forte, não consigo. Em dias assim só consigo desejar e imaginar um abraço apertado seu, porque apenas isso me acalmaria, me alegraria... Apenas isso me faria forte.

Ah, pai... Papai, paizinho, Senhor Roberto, Beto: eu te amo.
Você sabe?

Por favor, não te esqueça de mim. É impossível esquecer você, velho desbocado e amado. E lindo. E pra sempre o meu herói torto.

Com amor,
Beta.
PS: A morte é – realmente – uma piada sem graça.

domingo, 28 de abril de 2013

Pediram para que eu fosse forte e não chorasse.
Por mim, por eles, pelo mundo.

Pediram para que eu fosse forte e lutasse contra as injustiças do mundo.
Adeus corrupção, fome e miséria.

Pediram para que eu fosse forte e enfrentasse meus medos.
Olá baratas, sorrisos falsos e lugares escuros.

Pediram para que eu fosse forte e buscasse a felicidade.
Para mim, para ele, para o mundo.

Pediram para que eu simplesmente fosse forte e, neste dia, eu desisti e chorei.
Chorei, chorei, chorei e descobri: ser forte o tempo inteiro cansa e dói a alma.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A Bela e a Fera

Há muito tempo Bela havia se cansado do seu pequeno vilarejo, trancada dentro da biblioteca municipal onde todos os livros já haviam sido lidos. Trancada dentro do seu mundo fantasioso onde nada mudava. Nem se quer o clima de outono que havia chego à cidade há mais de 10 anos.

Talvez Bela estivesse procurando em seus livros uma forma de fugir da realidade das pessoas que a cercavam. Foi por isso que ela entrou no castelo e salvou seu pai. Uma forma egoísta de se tornar heroína e, ao mesmo tempo, fugir da realidade que a assombrara. Melhor prisioneira de uma Fera do que prisioneira de uma vida cheia de mesmice.

Bela se sentia grande demais dentro daquele vilarejo, com sonhos demais, desejos demais, palavras demais. Era algo novo que ela precisava. A paixão desenvolvida por uma criatura capaz de causar pânico a qualquer outra pessoa foi uma consequência. Uma consequência fruto da sua vontade de fugir – quem sabe dela mesma.

Bela, enfim, conseguiu transformar sua vida em um livro. Um livro onde fantasia uniu-se com amor. A história de um amor quase impossível, assim como o de Romeu e Julieta, livro que ela já havia lido mais de 3 vezes na sua antiga e pequena biblioteca, localizada no seu antigo, pequenino e limitado vilarejo.

Mas, ao protagonizar seu próprio livro, Bela descobriu algo que jamais contaria para outra pessoa: a maior parte das histórias de amor começa em um ato egoísta.