quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Morte

Uma realidade sobre a morte: ela é tranquila.
Outra realidade: não existe ninguém com uma foice e um capuz preto.

Eu estive perto da morte uma vez em toda minha vida, e foi o momento mais calmo que eu já tive. Eu estava cansada de tudo, confesso. Estava aguniada para encontrá-la. O la se refere a morte. Então, em uma noite de céu vermelho eu decidi esperar por ela.

Nenhum barulho em toda casa, nem o de minha respiração. E de repente uma figura estranha atravessou a porta trancada de meu quarto. Era uma senhora com um vestido longo e preto, mas não havia um capuz. No lugar da foice ela segurava um guarda-chuva vermelho. Ela sorriu. Seu sorriso era tão sereno que, por segundos, esqueci quem era esta minha visita. Esqueci que ela veio apenas à procura da minha alma.

Todas as forças, antes inexistentes, voltaram ao meu controle. Eu queria perguntar o porque de sua demora, onde estaria sua foice? Minha imaginação pouco aguçada ainda via a morte como algo terrível, doloroso e amedrontador. Esta senhora mais parecia minha querida vó. Impossível, diga-se de passagem. Vovó e seus 70 anos tinham mais vida do que uma menininha de dez.

Quando resolvi respirar - pela primeira vez após longos minutos -, o inalar pareceu queimar minhas narinas. O ar estava pesado. E eu sabia o porquê. A morte estendeu sua mão pálida em minha direção, e eu, em um gesto bobo, segurei forte nela. Burrice. Ela me fez ficar de pé, suas mãos pareciam uma tecla play para ver toda minha vida em segundos.

Primeiro, vi minha infância. Não segurei o sorriso ao ver meu primeiro natal. Mamãe estava na cozinha, e papai arrumando a árvore. Papai...Minha segunda visão foi seu bigode já grisalho, seu cabelo invisível e seu sorriso amarelo pra mim. Por que ele havia de ir embora? Por que ele não ficou um pouco mais ao meu lado? Por que, dona morte? Meu primeiro beijo, meu primeiro namorado e minha primeira decepção. Por último, a morte me mostrou algo que me fez estremecer, me fez querer chorar, querer largar sua mão e dizer: Me deixa ficar, por favor, vá embora!

Todas as pessoas que eu amava estavam chorando em vida, fazendo um círculo em torno de uma lápide que dizia "Roberta de Lucena Cidade, boa amiga, boa filha, boa irmã. 1993-2010". O rosto que me fez querer largar sua mão era de mamãe. Ela estava ajoelhada, seus soluços eram como tiro no meu coração. Como eu pude? Como, por fraqueza, eu deixei quem mais me amou infeliz? Eu sempre fui fraca, eu não merecia o que receberia após a morte.

E por falar nela...Ao ver meu estado ela soltou minha mão e sussurrou algo que eu pensei ser um "sinto muito". As forças que eu tinha sentido de novo, e pela última vez, foram esvaiando, logo meu corpo caiu sob a cama novamente.

Minha alma, já nos braços daquela velha senhora, ainda viu uma última coisa. A morte se ajoelhou sob meu leito e fechou meus olhos ainda abertos. Deu um beijo em minha testa, um beijo em um corpo sem alma, e saiu. Não demoraria muito até arrombarem a porta e se depararem com aquela cena triste: uma menina de 16 anos, um sorriso, um corpo gélido, um cadáver.

A morte não é terrível, ela muitas vezes é companheira. Ela sente tristeza ao ver o que uma garota como eu fui capaz de fazer. A morte possui sentimentos. É só o trabalho dela, como você excerce o seu. Não a culpe por meu fim. Eu cavei isto, ela só atendeu meu fraco pedido.

Enquanto a mim? Não queiram saber, a eternidade é um assunto que não será abordado por mim. Não enquanto eu ainda tiver cravado em mim a dor da culpa. Perdão, mamãe.

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